:: Dia 19 | Sábado
Auditório
21h30
Lançamento do livro “Zonas de Contacto”
Introdução
Apesar de o regime salazarista ter fomentado a auto-imagem de um Portugal «orgulhosamente só» e de um país de «brandos costumes» adverso aos ventos extremistas que sopravam do resto da Europa, posicionamento que durante a II Guerra Mundial se configuraria sob a forma de uma ambígua «neutralidade não beligerante», é inquestionável que no auge do(s) fascismo(s) europeu(s) o jovem Estado Novo manteve intensas relações quer com as democracias ocidentais quer com os países com governos de cunho nazi-fascista. Neste contexto, os multifacetados contactos entre o Estado Novo e o Terceiro Reich, sobretudo durante os anos anteriores à guerra em que se assistiu a uma fascização dos respectivos regimes assente em diversas «afinidades electivas» ao nível ideológico, mas também durante o próprio período do conflito bélico, constituem, porém, um capítulo da história portuguesa e alemã ainda relativamente pouco conhecido do público em geral.
Face ao terror e horror que caracterizou uma época que culminaria na carnificina da II Guerra Mundial e na barbárie do Holocausto – trauma esse que, por razões óbvios, afecta de forma mais intensa as memórias colectivas das vítimas e dos agressores mais directos – não surpreende que esse período das relações entre Portugal e a Alemanha tenda a tomar a configuração dum recalcamento e, por conseguinte, a apagar-se dos respectivos mapas nacionais de memórias. E, no entanto, é facto iniludível que esse relacionamento existiu, pelo que se poderá falar de uma memória intercultural luso-alemã sobre a qual é necessário discutir em moldes críticos e desapaixonados.
Com este volume, que reproduz diversas comunicações apresentadas durante um colóquio com o título homónimo, organizado, em Outubro de 2008, na Universidade do Minho pelo Departamento de Estudos Germanísticos, pretende-se, assim, dar maior visibilidade às múltiplas «zonas de contacto» ao nível político, económico, científico, cultural e artístico, de forma a contribuir para um conhecimento mais diferenciado de uma História que é, em certos aspectos, comum a dois diferentes países e sociedades.
Ainda que o presente livro incida sobre as relações luso-alemãs durante a época das ditaduras de massas ora mais ora menos fascizadas, é de sublinhar que o objectivo dos estudos multidisciplinares aqui reunidos não é o de debater – nem, muito menos, o de clarificar – se o Portugal salazarista foi ou não uma forma sui generis do fascismo ou se o Estado Novo representou um regime comparável ou mesmo semelhante ao nazismo. Essa discussão em torno de definições tipológicas é, a nosso ver, bastante infrutífera, porque será sempre condicionada por esquemas e posicionamentos ideológicos que dificultam uma revisitação o mais objectiva possível dos tempos e fenómenos políticos e socioculturais aqui em questão.
Composto de contributos advindos de diversas áreas de estudo, com este volume visa-se, pelo contrário, romper com as visões disciplinar e ideologicamente pré-condicionadas que resultam, muitas vezes, em imagens a preto-e-branco ou cor-de-rosa da era do(s) fascismo(s) europeu(s). A concepção expressamente transdisciplinar em que assenta, ou seja, a sua multiplicidade de perspectivas sobre os mais diversos domínios, que vão do intercâmbio cultural e académico passando pelas relações económicas até à cooperação de um cunho mais político, permite, por via de uma abordagem policontextual e pluridisciplinar, uma visão bastante mais abrangente, ao mesmo tempo que mais diferenciada, duma época das relações entre Portugal e a Alemanha que se configura mais complexa e intensa do que modo geral se pressupõe. Não se tratando de uma publicação pioneira sobre as relações entre o Estado Novo e o Terceiro Reich num sentido mais lato, é, no entanto, esta convergência de diferentes olhares e abordagens por especialistas oriundos de diferentes áreas disciplinares que distingue este volume na paisagem editorial portuguesa e alemã.
Os organizadores
Mário Matos & Orlando Grossegesse Brag